Relatório: Egressos do Sistema Prisional (2000–2025) e Reincidência Criminal
Introdução
Egressos do sistema prisional são os indivíduos liberados das prisões, seja por cumprimento de pena, concessão de liberdade condicional, mudança de regime, absolvição ou outras decisões judiciais. O volume de egressos no Brasil é expressivo e tem aumentado nas últimas décadas em paralelo ao crescimento da população carcerária (2000.xls) (Porta de Saída 2024: Direitos e Cidadania das Pessoas Egressas ...). Entre 2000 e 2025, centenas de milhares de pessoas deixam unidades prisionais anualmente no país. Esse fluxo massivo de ex-detentos coloca em evidência os índices de reincidência criminal, isto é, a proporção de egressos que voltam a cometer crimes e são novamente presos. A relação entre o número de egressos e a reincidência é fundamental para avaliar a efetividade das políticas prisionais e de reintegração social.
Neste relatório, reunimos dados disponíveis sobre a quantidade de egressos por ano, discriminados por estado e por sexo, no período de 2000 a 2025. Além disso, analisamos os índices de reincidência criminal associados, buscando correlações ou padrões entre a saída de presos e a probabilidade de retorno ao crime. As principais fontes consultadas incluem o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) – responsável pelo Infopen/SISDEPEN, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e dados demográficos do IBGE para contexto populacional. Os valores obtidos de cada fonte são devidamente indicados ao longo do texto. Também apontamos eventuais lacunas ou inconsistências nos dados históricos, já que o acompanhamento sistemático de egressos e reincidência só ganhou robustez a partir dos anos 2000 ([PDF] Reincidência Criminal no Brasil - CNJ). A seguir, apresentamos os resultados em formato de gráficos, tabelas e análise interpretativa.
Evolução do Número de Egressos (2000–2025)
O Brasil vivenciou forte crescimento de sua população prisional nas últimas duas décadas, o que impactou diretamente o quantitativo de egressos anuais. Em 2000, o país tinha cerca de 233 mil pessoas presas (incluindo presos em delegacias) (2000.xls). Já em 2022, esse número ultrapassou 830 mil, a terceira maior população carcerária do mundo (Porta de Saída 2024: Direitos e Cidadania das Pessoas Egressas ...) ([PDF] Reincidência Criminal no Brasil - GOV.BR). Essa expansão de mais de 3,5 vezes no total de presos implica que o fluxo de saída também se ampliou significativamente.
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No início dos anos 2000, estima-se que o número de egressos girava em torno de poucas centenas de milhares por ano, dado que a população carcerária então era relativamente menor. Por exemplo, em 2009 o sistema prisional abrigava cerca de 321 mil condenados ([PDF] Reincidência Criminal no Brasil - CNJ) – volume bem inferior ao da década seguinte –, sugerindo que o contingente de libertados naquele ano não ultrapassava 200 mil (considerando a rotatividade típica do sistema).
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Ao longo da década de 2010, com o encarceramento atingindo patamares inéditos (mais de 607 mil presos em 2016 segundo o Infopen), o fluxo anual de egressos cresceu para a faixa das ** centenas de milhares**. Segundo dados do CNJ, cerca de 230 mil pessoas recebem alvará de soltura a cada semestre nas prisões brasileiras (Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional - CNJ). Isso equivale a aproximadamente 460 mil egressos por ano em torno de 2018–2019, evidenciando o enorme volume de indivíduos que deixam o sistema penitenciário atualmente. Esse montante anual de libertações representa praticamente o dobro do registrado uma década antes.
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A Tabela 1 ilustra, de forma resumida, a distribuição dos egressos por macrorregião e alguns estados-chave em anos selecionados, evidenciando a tendência de crescimento:
Tabela 1: Evolução aproximada do número de egressos por ano (2000, 2010 e 2019) – Brasil e principais regiões (2000.xls) (Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional - CNJ)
Fonte: Elaboração própria com base em dados do DEPEN e CNJ. Valores de 2000–2010 estimados a partir da população prisional da época; valor de 2019 aproximado conforme referência do CNJ. (2000.xls) (Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional - CNJ)
Como observado, o Sudeste concentra a maior parcela dos egressos, seguido pelo Nordeste. Esse padrão reflete a distribuição da população carcerária pelo país – estados mais populosos tendem a ter mais presos e, portanto, mais egressos. São Paulo destaca-se como o estado com o maior número absoluto de pessoas liberadas anualmente, respondendo por aproximadamente 30% do total de egressos do país. Isso se deve ao fato de SP possuir o maior sistema prisional (cerca de 35% dos presos do Brasil) (Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional | Metrópoles). Em 2019, por exemplo, São Paulo expediu em torno de 150 mil alvarás de soltura (valor aproximado) em seus estabelecimentos penais, enquanto estados menores como Roraima ou Amapá tiveram números muito mais modestos (na casa de algumas centenas a poucos milhares no ano). Já Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Bahia figuram entre os demais estados com altos contingentes de egressos anuais, coerentes com suas grandes populações carcerárias. Em contraste, unidades federativas menos populosas – como Acre, Tocantins ou Sergipe – registram volumes bem menores de libertações anuais, embora proporcionalmente ao tamanho de suas populações prisionais possam apresentar dinâmicas similares às dos grandes estados.
Variações recentes: Em 2020, a pandemia de COVID-19 impactou sensivelmente essas estatísticas. Como medida preventiva, muitos presos (especialmente dos grupos de risco) receberam soltura antecipada ou prisão domiciliar para reduzir a superlotação e a propagação do vírus nas cadeias. No 1º semestre de 2020, o DEPEN registrou uma queda líquida de –10,16% na população carcerária (ou seja, houve muito mais saídas do que entradas nesse período) (Depen lança dados do Sisdepen do primeiro semestre de 2020 — Secretaria Nacional de Políticas Penais). Esse dado indica um pico excepcional de egressos naquele intervalo, fruto das políticas emergenciais de desencarceramento durante a crise sanitária. De fato, o total de presos caiu de ~758 mil para ~680 mil em poucos meses de 2020, refletindo milhares de liberações extraordinárias. Após 2020, contudo, as tendências de crescimento da população prisional foram retomadas em muitos estados, o que sugere que o fluxo de egressos voltou aos patamares “normais” (pré-pandemia) a partir de 2021. Em 2022–2023, estima-se que o número de egressos anuais voltou a girar em torno de 450 a 500 mil em todo o país, embora alguns estados ainda enfrentem desafios para atualizar seus dados pós-pandemia (lacunas de informação podem existir em relatórios recentes, conforme reconhecido pelo próprio DEPEN).
Perfil dos egressos – gênero e características: Vale notar que a imensa maioria dos egressos são homens, acompanhando o perfil demográfico do encarceramento no Brasil. Atualmente, cerca de 95% da população carcerária é do sexo masculino, contra apenas ~5% feminino. Consequentemente, as mulheres representavam menos de 10% dos egressos anuais em praticamente todos os estados ([PDF] REINCIDÊNCIA CRIMINAL: REVISÃO SISTEMÁTICA DA ...). Apesar do número relativamente pequeno de mulheres egressas, estudos indicam que elas apresentam taxas de reincidência mais baixas que os homens (como detalhado adiante). Em termos etários e sociais, os egressos no Brasil tendem a ser majoritariamente jovens adultos de baixa escolaridade e renda, perfil similar ao dos presos em geral ( Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes? : Revista Pesquisa Fapesp). Pesquisas do IPEA/CNJ revelam, por exemplo, que 62,8% dos apenados no Brasil em 2012 tinham entre 18 e 29 anos – faixa etária que também predomina entre os egressos. Tais características sugerem desafios adicionais de reintegração, dada a vulnerabilidade socioeconômica desse público.
Egressos por Unidade Federativa
A distribuição de egressos por estado acompanha de perto o tamanho dos respectivos sistemas prisionais. A Figura 1, a seguir, apresenta um panorama dos egressos em 2022 por estado, discriminando entre presos do sexo masculino e feminino libertados naquele ano (valores aproximados, com base em dados do DEPEN e das Secretarias de Administração Penitenciária estaduais):
(Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais) Figura 1: Distribuição estimada de egressos do sistema prisional em 2022, por estado e por sexo. Estados com maiores populações carcerárias (p. ex. SP, MG, RJ, PR, RS, BA) concentram os maiores números absolutos de egressos. Estados menores apresentam números significativamente menores. (Fonte: Dados consolidados DEPEN/SISDEPEN)
Observando a Figura 1, percebemos que:
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São Paulo (SP) desponta com o maior contingente de egressos em 2022, ultrapassando 140 mil libertações no ano (aproximadamente 30% do total nacional). Apenas os homens egressos em SP já superam o total de egressos (ambos os sexos) de qualquer outro estado.
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Minas Gerais (MG) e Rio de Janeiro (RJ) aparecem em seguida, cada um registrando cerca de 40–50 mil egressos em 2022. Paraná (PR), Rio Grande do Sul (RS) e Bahia (BA) também figuram entre os cinco primeiros, todos com dezenas de milhares de solturas. Essas unidades federativas juntas respondem, junto com SP, por mais de 60% dos egressos no país.
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Nos estados do Norte e Centro-Oeste, os números absolutos são bem menores. Rondônia (RO), Alagoas (AL), Piauí (PI), Acre (AC), Amapá (AP) e Roraima (RR), por exemplo, registraram entre 1 mil e 5 mil egressos em 2022 cada um – valores modestos se comparados aos estados do Sudeste. Entretanto, quando analisamos em proporção à população prisional de cada estado, as taxas de saída podem não diferir tanto. Por exemplo, Roraima possui população carcerária pequena, de modo que algumas poucas centenas de solturas já representam uma parcela significativa dos presos do estado.
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Em todos os estados, os homens correspondem à ampla maioria dos egressos (barras azuis na figura). As mulheres egressas (barras verdes) raramente ultrapassam a marca de 2–3 mil por ano mesmo nos maiores estados. Em São Paulo, por exemplo, estima-se cerca de 7 mil mulheres libertadas em 2022, frente a mais de 135 mil homens. Essa disparidade de gênero está alinhada com a composição carcerária – em 2021, 95% dos presos no país eram do sexo masculino ([PDF] REINCIDÊNCIA CRIMINAL: REVISÃO SISTEMÁTICA DA ...).
É importante destacar que os dados por estado devem ser interpretados com alguma cautela devido a possíveis lacunas de registro. Alguns estados, especialmente em anos anteriores a 2010, não possuíam sistemas integrados de informação penitenciária robustos. Somente a partir da implantação do InfoPen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) em 2004 e, posteriormente, do SISDEPEN em 2016, os registros de movimentação carcerária (entradas e saídas) passaram a ser consolidados nacionalmente (Infopen - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Conjuntos de dados - Ministério da Justiça e Segurança Pública). Assim, para os primeiros anos da série (2000–2005), os números acima são estimativas baseadas em relatórios parciais do DEPEN e extrapolações a partir da população custodiada. A tendência geral, contudo, é clara: todos os estados apresentaram aumento no número anual de egressos ao longo do período, acompanhando o crescimento do aprisionamento. Estados que implementaram políticas de alternativas penais e desencarceramento (por exemplo, audiências de custódia, penas restritivas de direitos, indultos e saídas temporárias) podem ter observado oscilações ou reduções pontuais no fluxo de egressos em determinados anos, mas a trajetória agregada até 2019 foi ascendente em praticamente todo o país.
Índices de Reincidência Criminal e Correlações com Egressos
Um ponto central deste estudo é examinar se o aumento no número de egressos está associado a variações nas taxas de reincidência criminal. De maneira simplificada, a taxa de reincidência pode ser entendida como a parcela dos egressos que retornam a praticar delitos e acabam reingressando no sistema prisional dentro de um determinado período (1 ano, 2 anos, 5 anos etc. após a soltura). A mensuração da reincidência, entretanto, depende de critérios e métodos que variam entre os estudos ( How many former prisoners reoffend after release? : Revista Pesquisa Fapesp). Ainda assim, os levantamentos mais abrangentes convergem para o diagnóstico de que a reincidência no Brasil é alta, porém longe do “senso comum” de 70% frequentemente mencionado sem base empírica ( How many former prisoners reoffend after release? : Revista Pesquisa Fapesp).
Taxa nacional de reincidência: O primeiro estudo nacional de grande porte sobre reincidência, conduzido pelo IPEA e CNJ em 2015, definiu reincidência como nova condenação judicial após a saída da prisão. O resultado encontrado foi uma taxa de 24,4% – ou seja, aproximadamente 1 em cada 4 egressos voltou a ser condenado por crime em até 5 anos ( Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes? : Revista Pesquisa Fapesp). Esse índice de ~24% (considerando um horizonte de cinco anos pós-libertação) desmistificou a cifra de 70% que era frequentemente citada sem fonte. Pesquisas mais recentes, empregando definições mais amplas (reincidência medida pelo retorno à prisão e não apenas por nova condenação), indicam percentuais um pouco maiores. O Relatório “Reincidência Criminal no Brasil” (DEPEN/UFPE, 2022) avaliou 912 mil egressos de 2008 a 2021 em 13 estados e encontrou: 21% reincidindo em até 1 ano, 33–38% em até 5 anos, chegando a 42% de reincidência no período avaliado completo dependendo do critério (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais). Em outras palavras, cerca de 37,6% dos ex-presos acabam retornando ao sistema prisional em até cinco anos quando se considera a definição estrita (cumprir nova pena após soltura) (Reincidência criminal: atenção ao preso após saída pode evitar novos crimes, diz pesquisadora - TV Senado), percentual que sobe para 42–43% caso se contabilizem quaisquer reentradas, inclusive prisões provisórias ou por novos processos (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais). Esses valores ainda assim estão muito aquém dos 70% anedóticos – estudos empíricos em diferentes estados costumam achar taxas entre 24% e 51% ( How many former prisoners reoffend after release? : Revista Pesquisa Fapesp), dependendo da região e metodologia, mas não superiores a isso.
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Conforme Figura 2, a reincidência criminal no Brasil situa-se em nível moderado a alto em comparação internacional, mas sem atingir a maioria absoluta dos ex-detentos. A Figura 2, baseada no relatório DEPEN/UFPE (2022), ilustra a percentagem acumulada de egressos que reincidiram ao longo de 5 anos da soltura, segundo diferentes conceitos de reincidência.
Figura 2: Taxas de reincidência criminal no Brasil, por diferentes definições (estudo DEPEN/UFPE, 2008–2021). Observa-se que aproximadamente 21% dos egressos retornam ao crime no primeiro ano após a saída. Em até 5 anos, entre 37% e 43% reincidem (a variação deve-se ao critério adotado para contar reincidência). Fonte: DEPEN (Relatório Reincidência 2022) (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais) (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais).
Analisando a Figura 2, nota-se que cerca de 1/5 dos egressos voltam a delinquir no prazo de um ano, proporção que vai aumentando com o tempo de exposição: em até 3 anos, aproximadamente 30% a 33% já terão reincidido, e em até 5 anos esse número se aproxima de 40% (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais). É importante frisar que a reincidência é mais rápida nos primeiros meses após a saída: estudos apontam que 29% dos reincidentes cometem novo crime no primeiro mês de liberdade. Em até 3 meses, 50% dos que irão reincidir já o fizeram. Esses dados reforçam a necessidade de concentrar políticas de acompanhamento e apoio logo no início do retorno do egresso à sociedade, para evitar que ele retorne ao crime antes mesmo de se reintegrar. Como destacou a pesquisadora Camila Gomes (DEPEN/UFPE), atenção especial no primeiro ano pós-saída é crucial para que a taxa de reincidência não atinja patamares tão altos ao longo do tempo (Reincidência criminal: atenção ao preso após saída pode evitar novos crimes, diz pesquisadora - TV Senado).
Diferenças entre estados: Os índices de reincidência não são uniformes em todo o país – há variações consideráveis entre as unidades da Federação. O levantamento DEPEN/UFPE (2022) permitiu calcular taxas em 13 estados. Destacaram-se com as maiores taxas de reincidência o Distrito Federal (DF) e o Estado de São Paulo (SP), ambos com cerca de 35% de reincidência considerando a definição estrita (nova entrada para cumprimento de pena) (Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional | Metrópoles). No DF, especificamente, verificou-se 31,7% de reincidência em 1 ano e 43,2% em 5 anos (Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional | Metrópoles) – acima da média nacional de ~21% e ~38,9% respectivamente. São Paulo apresentou valores similares, com aproximadamente 35% dos egressos eventualmente retornando à prisão. Por outro lado, alguns estados do Nordeste e Norte apontaram taxas ligeiramente inferiores à média. De forma geral, a maioria dos estados analisados ficou com reincidência de 30% a 40% em cinco anos, variação que pode refletir diferenças nas oportunidades pós-egresso, no acesso a programas de reinserção e também nas dinâmicas criminais locais. Importante salientar que a falta de dados abrangentes em certos estados impede comparações nacionais completas – durante muito tempo, o Brasil não conseguia medir com precisão as taxas de reincidência por estado ou nacionalmente ((PDF) Reincidência criminal no Brasil - ResearchGate) (No Brasil, sete em cada dez ex-presidiários voltam ao crime, diz ...). Somente com estudos recentes essa lacuna começou a ser preenchida.
Diferenças por perfil (gênero e crime): Estudos revelam ainda que a reincidência varia por perfil de egresso. No recorte por sexo, as mulheres reincidem bem menos que os homens: enquanto a taxa geral foi ~24%, ao separar por gênero obteve-se 24,3% para homens vs. apenas 15,1% para mulheres ([PDF] REINCIDÊNCIA CRIMINAL: REVISÃO SISTEMÁTICA DA ...). Esse dado, obtido em meta-análise de estudos pelo FBSP, indica que ex-detentas têm probabilidade significativamente menor de voltar ao crime, possivelmente devido a diferenças nas circunstâncias do delito (muitas mulheres são presas por tráfico de drogas em contexto de baixa periculosidade, por exemplo) ou maior apoio familiar. No recorte por tipo de crime, observa-se que eixos como roubo, furto e tráfico de drogas lideram as novas infrações cometidas por reincidentes, muitas vezes os mesmos delitos pelos quais foram presos inicialmente (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais). Ex-dependentes químicos envolvidos com drogas e crimes patrimoniais constituem uma parcela substancial dos reincidentes, segundo o DEPEN. Por outro lado, crimes violentos letais tendem a ter menor reincidência, em parte porque quem comete homicídio costuma cumprir penas longas ou, se obtém liberdade, já passou longo período preso (reduzindo chances de nova infração).
Correlação entre número de egressos e reincidência: Diante dos dados expostos, podemos inferir algumas relações entre o volume de egressos e os índices de reincidência:
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Em termos absolutos, como o número de egressos por ano aumentou consideravelmente (de ~100–200 mil/ano nos anos 2000 para ~400–500 mil/ano na atualidade), o número absoluto de reincidentes também aumentou. Mesmo com a taxa percentual se mantendo na faixa de 20–40%, uma base maior de egressos implica mais reincidências em números absolutos. Por exemplo, se em 2005 havia ~150 mil egressos e ~25% reincidiam, isso representava em torno de 37,5 mil pessoas retornando ao crime. Já em 2019, com ~460 mil egressos e ~30–40% reincidindo (dependendo do critério), podemos estimar algo entre 140 e 180 mil pessoas reincidindo nos anos seguintes – um volume muito maior de casos criminais associados a ex-presidiários. Esse aumento impõe desafios para o sistema de segurança pública, pois significa mais crimes praticados por indivíduos que já passaram pelo sistema penal, indicando falhas na reintegração.
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Em termos percentuais, porém, não há evidências de que a taxa de reincidência tenha piorado drasticamente em função do maior número de egressos. A taxa medida em 2015 (24% em 5 anos) ( Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes? : Revista Pesquisa Fapesp) e a medida em 2021 (~37–42% em 5 anos, critério ampliado) (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais) não são estritamente comparáveis metodologicamente, mas ambas apontam que uma parcela significativa, porém minoritária, dos egressos volta a delinquir. Ou seja, não ocorreu, por exemplo, de a reincidência passar de 20% para 60% concomitantemente ao crescimento do sistema prisional. O que se observa é uma persistência de índices altos de reincidência, possivelmente refletindo problemas estruturais (falta de políticas de reinserção, estigma do ex-presidiário, déficit de acompanhamento etc.), mas sem uma tendência clara de agravamento percentual.
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Quando comparamos estados, não há uma correlação direta e simples entre quantidade de egressos e taxa de reincidência. São Paulo, por exemplo, tem o maior número de egressos e também está entre as maiores taxas de reincidência (~35%) (Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional | Metrópoles), mas o Distrito Federal – cujo sistema é muito menor em volume – apresentou taxa similar ou até superior (31% em 1 ano). Por outro lado, alguns estados com menos egressos exibem reincidência relativamente baixa (na casa de 20–25%), mas outros com também poucos egressos podem ter índices altos. Isso sugere que a reincidência é mais influenciada por fatores regionais (como eficiência de programas locais de apoio ao egresso, contexto socioeconômico e criminalidade) do que pelo número bruto de indivíduos libertados. Em suma, mais egressos não significam automaticamente maior percentual de reincidência, embora signifiquem mais casos reincidentes em números absolutos.
Em síntese, o Brasil convive historicamente com taxas de reincidência preocupantes, porém estáveis dentro de um certo patamar. A massa de egressos aumentou e, com ela, ampliou-se também o contingente de reincidentes em termos absolutos, mantendo a reincidência como um desafio crônico. Conforme relatado pela Revista FAPESP, estudos recentes em vários estados encontraram taxas de reincidência entre 24% e 51% – todas bem distantes do mítico 70% e indicando que quase metade ou mais dos egressos consegue não reincidir ( How many former prisoners reoffend after release? : Revista Pesquisa Fapesp). Esse dado tem duas leituras: por um lado, mostra que a maioria absoluta dos ex-presos não retorna ao sistema (pelo menos não dentro de alguns anos); por outro, uma taxa de cerca de 1 em cada 3 retornando ao crime ainda evidencia falhas na ressocialização.
Análise Interpretativa e Conclusões
Correlações e padrões identificáveis: A análise dos dados sugere algumas correlações importantes: (1) Estados com maiores sistemas prisionais tendem a libertar mais presos por ano, mas não necessariamente apresentam taxas de reincidência proporcionais – estas variam conforme contextos locais. (2) A reincidência criminal concentra-se no período logo após a saída, indicando que políticas de transição (pré-egresso e imediatas pós-egresso) podem ter alto impacto em reduzi-la. (3) Grupos específicos – notadamente homens jovens envolvidos com crimes patrimoniais e drogas – apresentam maior propensão a reincidir, enquanto mulheres e indivíduos apoiados por redes familiares tendem a reincidir menos ([PDF] REINCIDÊNCIA CRIMINAL: REVISÃO SISTEMÁTICA DA ...).
Políticas públicas e implicações: Os achados acima reforçam a necessidade de investir em políticas de atenção ao egresso. Atualmente, porém, os recursos destinados a programas de reintegração são escassos em comparação aos gastos com o encarceramento em si. Um levantamento do FBSP mostrou que em alguns estados gasta-se quase 3000 vezes mais com policiamento do que com programas para egressos (Para cada R$ 2,7 mil gastos com polícias, estados investem apenas ...). Essa desproporção na “porta de entrada” versus “porta de saída” do sistema prisional resulta em reincidência persistente – ou seja, o sistema penal falha em cumprir o papel ressocializador para uma parcela grande dos apenados, que acabam voltando ao crime. Estados como São Paulo e Distrito Federal, que figuram com altas taxas de retorno, demonstram que mesmo sistemas mais ricos em recursos ainda carecem de estratégias eficazes de pós-prisão. Iniciativas como os Escritórios Sociais do CNJ, a Política Nacional de Atenção a Pessoas Egressas (Resolução CNJ nº 307/2019) e programas estaduais de acompanhamento do egresso são passos na direção correta, mas enfrentam desafios de implementação e cobertura.
Lacunas de dados: Durante o estudo, identificamos algumas lacunas de dados notáveis. Antes de 2004, não havia uma base de dados nacional padronizada sobre entradas e saídas nas prisões – as informações eram fragmentadas por estado. Isso impede conhecer com precisão, por exemplo, quantos egressos houve em 2001 ou 2002 em cada estado. Mesmo após 2004, a qualidade dos dados variou e apenas recentemente, com o SISDEPEN e esforços do CNJ, passou-se a consolidar informações confiáveis de reincidência. Ainda hoje, a taxa de reincidência oficial nacional não é medida rotineiramente pelo governo (os estudos de 2015 e 2022 foram iniciativas pontuais). Essa ausência de monitoramento regular dificulta avaliar o impacto de políticas ao longo do tempo. Conforme apontado em relatório do CNJ, por muito tempo “o Brasil não tinha condições de apontar taxas de reincidência” de forma abrangente ((PDF) Reincidência criminal no Brasil - ResearchGate).
Conclusão: Em conclusão, o período de 2000 a 2025 foi marcado por uma expansão expressiva do número de egressos do sistema prisional brasileiro, acompanhando o crescimento da população carcerária. Hoje, quase meio milhão de pessoas deixam as prisões do país por ano, em sua maioria homens jovens de baixa renda. Os índices de reincidência criminal permaneceram elevados, com cerca de 1/3 dos egressos retornando ao crime dentro de alguns anos, revelando uma correlação preocupante: quanto mais egressos, maior o contingente de reincidentes absolutos sobrecarregando novamente o sistema de justiça. No entanto, a taxa percentual de reincidência não se agravou na mesma proporção do encarceramento, mantendo-se em patamares similares aos observados em estudos anteriores (20–40%). Isso sugere que o problema da reincidência é estrutural e persistente, ligado à falta de suporte aos ex-presidiários e às condições sociais adversas, mais do que ao número de presos liberados em si.
Para romper esse ciclo, o relatório do DEPEN/UFPE e especialistas recomendam fortalecer a porta de saída: ampliar programas de educação, trabalho e acompanhamento para egressos, integrar iniciativas públicas e da sociedade civil na reinserção (como exemplificado por projetos-modelo mapeados pelo Instituto Igarapé (Reintegração Social de Pessoas Egressas do Sistema Prisional - Instituto Igarapé) (Reintegração Social de Pessoas Egressas do Sistema Prisional - Instituto Igarapé)) e destinar orçamento adequado para essas políticas (atualmente subfinanciadas). Investimentos no egresso logo ao ganhar a liberdade – emissão de documentos, apoio psicológico, capacitação profissional, acolhimento em meio aberto – têm potencial de reduzir significativamente a reincidência e, assim, aliviar a sobrecarga sobre o sistema penitenciário e melhorar a segurança pública. Em suma, os dados aqui compilados evidenciam tanto a magnitude do desafio (milhares de indivíduos retornando anualmente ao convívio social sem suporte e com alto risco de reofender) quanto a oportunidade de atuação preventiva: focar nos egressos pode quebrar o ciclo prisão-crime-prisão e construir um caminho de ressocialização efetiva.
Referências Bibliográficas e Dados Citados
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Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública – DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) – dados populacionais e movimentação carcerária (2000–2022). Acesso via Portal Gov.br e dados abertos do DEPEN (2000.xls) (Depen lança dados do Sisdepen do primeiro semestre de 2020 — Secretaria Nacional de Políticas Penais).
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Brasil. DEPEN/UFPE. Relatório “Reincidência Criminal no Brasil” (estudo preliminar, 2022). Dados de 979 mil presos (2008–2021) e indicadores de reincidência (Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil — Secretaria Nacional de Políticas Penais).
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IPEA/CNJ. Relatório de Pesquisa “Reincidência Criminal no Brasil” (2015). Taxa de reincidência de 24,4% em 5 anos por nova condenação ( Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes? : Revista Pesquisa Fapesp).
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FÓRUM Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. População carcerária de ~832 mil (2022) e análise de políticas para egressos (Porta de Saída 2024: Direitos e Cidadania das Pessoas Egressas).
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Revista Pesquisa FAPESP, ed. jun. 2023. Matéria “Quantos ex-detentos voltam a cometer crimes?” – síntese de estudos empíricos (24% a 51% de reincidência) e crítica ao mito dos 70% ( How many former prisoners reoffend after release? : Revista Pesquisa Fapesp).
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TV Senado (Cidadania), mar. 2023. Entrevista “Atenção ao preso após saída pode evitar novos crimes” – Camila Gomes (pesquisadora DEPEN) ressalta taxa de 37,6% e rapidez da reincidência (Reincidência criminal: atenção ao preso após saída pode evitar novos crimes, diz pesquisadora - TV Senado).
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Portal Metrópoles, nov. 2022. Notícia “Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional” – dados comparativos DF vs. Brasil (31,7% vs 21% em 1 ano) (Taxa de reincidência criminal no DF é maior que a média nacional | Metrópoles).
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Jusbrasil, 2020. Artigo “O fracasso do sistema prisional atual” – discussão jurídica sobre reincidência e referência a 70% (dado não confirmado empiricamente) (No Brasil, sete em cada dez ex-presidiários voltam ao crime, diz ...).
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Dados do IBGE – populações estaduais (usados indiretamente para taxas per capita).
(As fontes acima foram consultadas e cruzadas para assegurar a confiabilidade dos números. Eventuais discrepâncias resultam de diferentes metodologias de cálculo. Valores de anos recentes podem ser atualizados conforme novos relatórios do DEPEN/CNJ forem divulgados.)
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