A Relação entre a Qualidade da Educação e a Mortalidade de Alunos em Idade Escolar no Brasil: Uma Análise Multidimensional

    Já é conhecida a defasagem do sistema educacional do Brasil. Venho, por meio deste artigo, relacionar os dados disponibilizados pelos principais índices educacionais na data atual com a realidade tanto das escolas públicas do país quanto dos alunos que frequentam essas escolas, e como esses alunos são diretamente afetados pela falta de atitude dos docentes, que, por ignorância ou estagnação, optam por manter as metodologias como estão, segregando os cidadãos e perpetuando ainda mais as desigualdades no país. Para mim, e acredito que para todos os professores, é de suma importância estar atento aos principais índices que dizem respeito ao bem-estar da sociedade brasileira. Analisar e entender esses dados nos possibilita ter clareza real de como a educação do país está progredindo, dado que essas disparidades de ensino regionais podem impactar diretamente a formação educacional dos cidadãos e afetam diretamente a qualidade de vida e a saúde física e psicológica dos nossos alunos. É importante conseguirmos enxergar como a mortalidade nessa fase da vida reflete não apenas questões de saúde, mas também de segurança e qualidade educacional.

    Acho importante, antes de falarmos em números, termos uma noção clara do que significa "Educação de Qualidade", para que possamos ter mais convicção sobre as conclusões a que iremos chegar. Começo mencionando Paulo Freire, um dos maiores expoentes da educação crítica, que defendeu a educação como prática de liberdade e transformação social. Freire argumentava que a educação de qualidade deve ser dialógica e libertadora, promovendo a conscientização crítica dos alunos sobre sua realidade e capacitando-os a agir sobre ela. Ele também dizia que a escola deve formar cidadãos críticos e comprometidos com a transformação social. Podemos também citar Henri Lefebvre, que explora como o espaço social afeta a qualidade educacional, considerando que o ambiente escolar, sua localização e sua inserção em contextos sociais mais amplos desempenham um papel crucial no sucesso educativo. Lefebvre contribui para uma compreensão da qualidade educacional que leva em conta o ambiente físico e social das escolas, especialmente em áreas vulneráveis.

    Dadas essas definições, acredito que seja mais simples para nós criarmos um paralelo mental entre a teoria e a realidade da educação pública brasileira. Já há algum tempo, pesquisadores da área de educação conhecem a existência de fatores determinantes na mortalidade infantil. De acordo com uma pesquisa realizada em 2014 por Adriano Nascimento Paixão e Taissa Ferreira, intitulada "Determinantes da Mortalidade Infantil no Brasil", foram analisados dados de mortalidade infantil entre 1997 e 2005, e os autores concluíram que a taxa de alfabetização tem um impacto positivo na redução da mortalidade infantil no Nordeste do Brasil, reforçando a importância do acesso à educação para diminuir essas taxas. De forma semelhante, Irffi et al. (2008) também identificaram a educação como um dos fatores mais relevantes no combate à mortalidade infantil. Outro ponto interessante foi a conclusão de Gomes et al. (2006), que aplicaram um exercício contrafactual demonstrando como o aumento do nível educacional eleva a renda e reduz a pobreza, o que, por sua vez, diminui a mortalidade infantil. Eles também destacaram as externalidades positivas da educação, que impactam de maneira significativa a mortalidade infantil, tanto no Brasil quanto na região Sudeste. Vale também analisar o que Ralph Hakkert apontou em seu trabalho de 1986 sobre os mecanismos subjacentes à relação entre a mortalidade infanto-juvenil e a educação dos pais. Ele observa que, embora a Renda Familiar Total ou Per Capita tenha influência, o fator financeiro não é a única variável importante para a eficácia da educação; um ambiente domiciliar equilibrado também desempenha um papel fundamental.

    Para esta análise, utilizarei os seguintes índices: o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que pode fornecer uma visão sobre a qualidade da educação em diferentes regiões do Brasil; a Taxa de Analfabetismo, dado que regiões com altas taxas de analfabetismo geralmente enfrentam maior pobreza, o que está diretamente relacionado à vulnerabilidade social e, potencialmente, à mortalidade de crianças e adolescentes; a Taxa de Evasão Escolar, que pode ser um indicador de contextos de vulnerabilidade, pois estudantes que abandonam a escola podem estar mais expostos a riscos de violência, trabalho infantil ou condições precárias de saúde, fatores que podem aumentar a mortalidade; o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), que é um índice composto que mede a vulnerabilidade de famílias em várias dimensões, como renda, moradia, educação e acesso a serviços de saúde. Comunidades com alto IVS tendem a ter taxas de mortalidade mais altas entre crianças e jovens, em parte devido ao acesso limitado a uma educação igualitária e serviços básicos; e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que avalia o nível educacional da população. Regiões com baixo IDH educacional geralmente também apresentam desafios maiores em termos de saúde pública, segurança e bem-estar. Também quero relacionar o impacto da educação brasileira atual na vida dos alunos com a Taxa de Mortalidade por Violência, disponibilizada pelo IBGE.

    Dado o contexto de cada índice, começaremos a análise olhando para a Taxa de Mortalidade entre os jovens. De acordo com o IPEA, o Brasil registrou 24.217 homicídios de jovens entre 15 e 29 anos em 2021. Isso equivale a 66 jovens assassinados por dia. Ou seja, de cada 100 jovens entre 15 e 29 anos que morreram no país por qualquer causa, 49 foram vítimas de violência letal. Trata-se de indivíduos que não têm a chance de concluir sua vida escolar, construir um caminho profissional, formar sua própria família ou serem reconhecidos por suas conquistas no contexto social em que vivem. A taxa média de mortalidade juvenil (15 a 29 anos) no Brasil, em 2021, foi de 49 indivíduos por 100 mil habitantes. Segue a distribuição por estado. IPEA (2023)
IPEA 2023

    Confrontando esses dados, é interessante traçarmos um paralelo com o IDEB. Seguem os resultados das últimas notas dos estados brasileiros.

Dados do IDEB 2023

    De acordo com o IDEB de 2023, podemos notar que os estados com as menores notas foram Amapá, Espírito Santo, Alagoas e Maranhão. É interessante observar que os estados que obtiveram as notas mais baixas no IDEB são os mesmos que apresentam os índices mais altos de mortalidade entre os jovens. Vale apontar também que o estado da Bahia, apesar de não ter uma nota tão baixa no IDEB, foi o segundo estado que mais registrou homicídios entre jovens. Analisando, vemos que o Amapá possui 128,1 assassinatos por 100 mil habitantes (a maior taxa do Brasil), Alagoas tem 74,1, a Bahia tem 121,2, o Maranhão tem 50 e o Espírito Santo tem 63. Começa a ficar mais clara a relação entre os índices de mortalidade entre jovens e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A seguir, farei um paralelo com o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS).

Imagem retirada do relatório de IVS 2023

    Podemos notar que os estados do Amapá, Alagoas, Bahia e Maranhão apresentam um índice de vulnerabilidade social muito alto, o que nos ajuda a explicar a baixa nota no IDEB do Amapá, de Alagoas e do Maranhão, mas ainda não explica muito bem o índice de mortalidade juvenil mais elevado na Bahia. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi o Espírito Santo, que, mesmo apresentando índices de vulnerabilidade social baixos, não conseguiu alcançar notas mais altas no IDEB e também apresentou um número elevado no índice de mortalidade juvenil. Se pesquisarmos sobre a Taxa de Evasão Escolar desses estados, poderemos verificar que, até 2010, esses estados possuíam os maiores índices de evasão escolar entre jovens de 15 a 17 anos.

Foto: Reprodução/Wikipédia

    Vale notar que, apesar de o Amapá possuir alto IVS, em 2010 estava em melhor posição na Taxa de Evasão Escolar dos jovens do que o Espírito Santo, que tem IVS baixo, mas tinha quase 20% dos jovens entre 15 e 17 anos fora da escola em 2010. Se traçarmos o paralelo com o IDH, poderemos ter uma visão mais clara: os estados com os menores índices de vulnerabilidade social apresentaram também os mais baixos índices de desenvolvimento humano e têm taxas de mortalidade juvenil mais altas.

Foto: Reprodução/PNUD

    É interessante apontar que, na última década, o estado do Espírito Santo parece ter evoluído na questão da evasão escolar, adotando metodologias de formação integral do aluno. Essas metodologias são baseadas nos preceitos de desenvolvimento do diálogo e corresponsabilização entre escola, estudante, comunidade e família. Essa metodologia moderna, baseada nos quatro pilares da educação de Delors, é chamada de PAIE (Projeto Agente de Integração Escolar) e também envolve órgãos de justiça, como o projeto "Combate à Evasão Escolar", uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) e o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). A execução desses projetos trouxe resultados significativos para os índices de evasão escolar do estado, o que também contribuiu para o aumento do IDH. O Espírito Santo passou de uma posição preocupante em termos de Taxa de Evasão para uma posição de destaque nacional. Em 2021, o estado ocupava o oitavo lugar em nível nacional, com uma taxa de 2,5% (abandono no Ensino Médio da Rede Estadual). Já em 2022, o Espírito Santo ocupou o terceiro lugar, com uma taxa de 2% (abandono no Ensino Médio da Rede Estadual), o que corrobora a ideia de que uma escola mais próxima do aluno e da família consegue, sim, reduzir os índices de evasão escolar e garantir o direito de aprendizado dos jovens de forma mais eficiente. Vale apontar também que essa metodologia de ensino moderna está muito próxima das ideias de Henri Lefebvre, que apoia a ação contínua e ativa da escola no desenvolvimento integral do aluno que mais precisa.

    Podemos também traçar um paralelo com a Taxa de Analfabetismo entre os jovens no Brasil. Pelos dados disponibilizados pelo IBGE, é possível notar que os estados que não atuaram no desenvolvimento de metodologias eficientes de educação continuam a sofrer com índices mais altos de analfabetismo juvenil e indices mais altos de Evasão Escolar. Além disso, é evidente que, nas regiões onde a taxa de analfabetismo é alta, enfrentam-se maiores problemas em relação as taxas mortalidade juvenil, ao IDH e ao IVS. Segue o mapa com os dados:


    Por meio desta análise, podemos concluir que a educação no Brasil é fragmentada. Cada estado tem liberdade para gerir suas metodologias de ensino como bem entende e, infelizmente, as práticas que geram melhores resultados nem sempre são adotadas em outros estados, o que acaba fomentando ainda mais a desigualdade social no país. Muitos professores parecem se perder na prática educacional, que por vezes é confundida com uma arte, e consideram que metodologias e planos de ação que colocam o aluno como o centro da ação pedagógica são desnecessários. Os dados apresentados neste artigo visam esclarecer aqueles que acreditam que a escola não deve se responsabilizar pela educação integral do aluno. Foram utilizados exemplos de estados com maiores problemas, mas sabemos que essas dificuldades, embora às vezes disfarçadas, ainda ocorrem na maioria dos estados brasileiros. Jovens estão sendo mortos sem a oportunidade de aprender, vítimas de um modelo educacional que se assemelha ao sistema prisional brasileiro, onde muitos alunos são colocados em uma sala de aula, trancados e forçados a aprender conteúdos que muitas vezes não veem aplicabilidade em suas vidas cotidianas. Mudanças são necessárias, quer gostem ou não. A violência no Brasil é consequência da falta de perspectivas para o futuro dos jovens, que acabam acreditando que não podem contribuir para a sociedade porque não foram capazes de alcançar uma nota satisfatória em uma prova de matemática. A função da escola e do docente não é subjugar, repreender ou excluir o aluno, mas sim indicar caminhos possíveis e abrir novas portas que ele possa escolher. O primeiro passo para essa mudança é transformar o foco do ensino, colocando o aluno no centro e cuidando dele em todos os aspectos — sociais, psicológicos e físicos —, além de eliminar o pensamento de que os alunos têm a obrigação de receber educação apenas em casa. Sabemos que a educação familiar é um privilégio que nem sempre está presente, inclusive na classe média do país. Enquanto o Estado e a escola não assumirem a responsabilidade pela educação integral do aluno, os reflexos da violência continuarão sendo sentidos em nossa sociedade. Que sejamos capazes de unificar a educação em nosso país, seguindo uma linha de progresso que claramente está dando bons resultados, e que o Estado invista nessas metodologias. Todos com o mínimo de instrução sabem que avanços econômicos significativos são consequência de investimentos em educação a longo prazo.

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